Em um cenário de tensão crescente, moradores da Vila Mariana, bairro tradicional da Zona Sul de São Paulo, estão demonstrando resistência às investidas agressivas de construtoras que buscam adquirir imóveis para novos empreendimentos. Após alterações no Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade, aprovados pela Câmara Municipal no ano anterior, o assédio imobiliário na região se intensificou, levando os moradores a se manifestarem de forma direta com placas nas portas de suas casas, anunciando que suas propriedades não estão à venda.
O Contexto das Mudanças no Plano Diretor
No ano passado, a Câmara Municipal de São Paulo alterou a configuração de alguns bairros, incluindo a Vila Mariana, ao derrubar o veto do prefeito sobre mudanças de zoneamento. A zona passou de uma área de preservação da paisagem (ZPP) para uma zona de estruturação urbana (ZEU), o que permite a construção de edifícios de grande porte, sem restrições quanto à altura. Essa alteração facilitou a aproximação das construtoras, que agora têm maior liberdade para expandir os seus projetos na área, gerando grande preocupação entre os moradores locais.
O Crescimento do Assédio Imobiliário
O aumento da pressão das construtoras para adquirir propriedades na Vila Mariana tornou-se evidente com a instalação de placas nas casas, exibindo a mensagem: “Esta casa não está à venda”. Moradores de diversas ruas, como as da Mantiqueira, Juaracê e Dona Inácia Uchôa, têm se unidos contra as abordagens persistentes e, por vezes, invasivas, que buscam forçar a venda de suas propriedades.
Abordagens Insistentes e Técnicas de Persuasão Agressiva
Moradores relatam que, em muitos casos, o assédio não se limita a simples ofertas de compra, mas envolve estratégias de pressão psicológica. A engenheira Ana Amélia Feijó, que mora na Rua Mantiqueira há 16 anos, é um exemplo. Segundo ela, a construtora Magik LZ tem entrado em contato mais de 40 vezes com ela, por telefone e mensagens, informando que sua casa seria a última a ser comprada em um quarteirão em processo de aquisição. Os corretores, além disso, ameaçaram os moradores com a possibilidade de enfrentarem problemas estruturais e transtornos durante a construção do novo empreendimento caso se recusassem a vender.
Terrorismo Psicológico e Ofertas Abaixo do Mercado
As construtoras foram acusadas de utilizar táticas de “terrorismo psicológico”, buscando assustar os moradores para que aceitem vender seus imóveis por valores abaixo do mercado. Muitos moradores, como Ana Amélia, afirmam que os valores oferecidos pelas empresas não são suficientes para garantir uma casa de tamanho semelhante na região, agravando a insatisfação entre os moradores.
Invasão de Privacidade e Abordagens a Familiares
Em alguns casos, as construtoras não se limitam a perseguir os proprietários, mas também procuram os seus familiares, até mesmo aqueles que estão fora do estado. Em um relato, uma mulher idosa que estava hospitalizada recebeu insistentemente contatos da empresa que buscava convencer o filho a vender o imóvel. Esse tipo de invasão de privacidade gerou grande desconforto entre os moradores, que alegam que suas informações pessoais estão sendo acessadas sem consentimento.
Ações de Resistência e Solidariedade dos Moradores
Diante desse cenário, os moradores da Vila Mariana estão unidos em resistência, não apenas colocando placas nas portas de suas casas, mas também compartilhando histórias de assédio e denunciando as práticas das construtoras nas redes sociais. O clima de desconfiança e medo é palpável, com muitos relatos de barcos espalhados pelas empresas para criar desconfiança entre os vizinhos. Além disso, muitos moradores se articulam para evitar que a situação prejudique a convivência e a harmonia no bairro, formando uma rede de apoio entre si.
Casos de Assédio Mais Graves
Um dos episódios mais graves, que exemplifica a abordagem agressiva das construtoras, aconteceu com o aposentado Flávio Carrança e sua esposa Maria Luiza, moradores da Rua Octávio de Moraes Dantas, na Vila Mariana. A construtora You, Inc, ao se aproximar da família, disse que já havia adquirido 17 das 34 casas do quarteirão e ameaçou demolir as propriedades remanescentes caso os moradores não aceitassem vender. Isso gerou um clima de pânico na situação, com a instalação de placas que indicavam a iminente demolição de imóveis. Além disso, a empresa buscou contatar os filhos de moradores, incluindo aqueles que moram em outras cidades, em uma tentativa desesperada de convencer os proprietários a venderem seus imóveis.
A Denúncia de Boatos e Divulgação de Informações Falsas
A atriz Adriana Coppi, moradora da Rua Humberto I desde 2014, também se viu em meio a esse assédio constante. Ela e seu marido, um escritor, resistiram às abordagens da construtora, mas enfrentaram um desgaste emocional significativo. Adriana, que sofre com crises de ansiedade devido à situação, revelou que a empresa hospedava barcos no ambiente, tentando minar a confiança entre os moradores. Em um dos episódios, ela contou que os corretores da empresa entraram em contato com o marido, mesmo após ele bloquear as mensagens. Isso é uma preocupação para muitos moradores em relação à invasão de sua privacidade, já que as construtoras possuem acesso a dados sensíveis sobre os proprietários.
A Resposta das Construtoras e do Mercado Imobiliário
A construtora Magik LZ, em uma nota oficial, se posicionou sobre as acusações, afirmando que “prima pelo respeito a todos os envolvidos” nas negociações e que as divergências fazem parte do processo democrático. A empresa negou as acusações de práticas desrespeitosas e disse que suas abordagens fazem parte do mercado. No entanto, a defesa das práticas imobiliárias por parte das empresas não aliviou a tensão crescente entre os moradores.
O Sindicato da Habitação do Estado de São Paulo (Secovi-SP) foi procurado pelo g1 para comentar o caso, mas até a publicação da reportagem não havia se manifestado.
O Clamor por Respeito à Privacidade e à Comunidade
Os moradores da Vila Mariana estão, assim, enfrentando uma batalha tanto para manter suas propriedades quanto para proteger suas privacidades diante do avanço imobiliário que vem tomando conta da região. O cenário reflete uma mudança drástica na dinâmica do bairro, e os moradores estão se unindo para garantir que seus direitos sejam respeitados, tanto no que diz respeito à privacidade quanto à preservação do meio ambiente. As placas espalhadas pelas casas não são apenas um protesto contra as abordagens agressivas das construtoras, mas também um grito por respeito e dignidade em um processo de transformação urbana que tem gerado muito desconforto entre aqueles que buscam manter suas casas.