A primeira participação do Brasil no Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (Timss, na sigla em inglês) revelou resultados alarmantes sobre o desempenho das crianças brasileiras em matemática. Segundo o estudo divulgado em 4 de dezembro de 2024 pela Associação Internacional para a Avaliação do Desempenho Educacional (IEA), metade das crianças brasileiras do 4º ano do ensino fundamental não dominam habilidades matemáticas básicas, como tabuada, operações simples de soma e subtração de números com três algarismos e interpretação de gráficos simples. Este estudo é a primeira vez que o Brasil participa do exame Timss, uma avaliação aplicada a alunos de diferentes países desde 1995.
Defasagem nos Conhecimentos Básicos de Matemática
O estudo demonstrou que 51% das crianças brasileiras de 9 anos não conseguem realizar operações matemáticas elementares. Esses alunos não atingem o nível considerado “baixo” de conhecimento. A pontuação média do Brasil foi de 400 pontos, ficando à frente apenas de Marrocos, Kuwait e África do Sul, dos 64 países participantes. O desempenho brasileiro está cerca de três anos escolares atrás da média global, que atingiu 503 pontos. O especialista Ernesto Martins Faria, diretor-executivo do Instituto de Estudos e Desenvolvimento Educacional (Iede), expressou sua preocupação com a proximidade dos resultados do Brasil aos de países africanos com PIB inferior ao do Brasil.
Desempenho dos 5% com Menor Rendimento
Entre os 5% de alunos com o pior desempenho, a pontuação foi alarmante: os estudantes atingiram no máximo 259 pontos. Esse desempenho aponta para uma dificuldade extrema em realizar as atividades propostas, evidenciando que os estudantes enfrentam sérias dificuldades em lidar com o conteúdo abordado na avaliação.
Comparação com a Avaliação Brasileira (Saeb)
Faria destacou que, em termos de dificuldade, o Timss é mais exigente que o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), principal avaliação brasileira para crianças dessa faixa etária. Ele argumenta que o Brasil precisa “subir a régua” das avaliações internas, implementando um padrão de ensino que combine os conhecimentos básicos medidos pelo Saeb com os mais complexos exigidos pelo Timss.
O Desempenho do Brasil no 8º Ano: Matemática e Geometria
O estudo também envolveu alunos do 8º ano (cerca de 13 anos de idade), e os resultados não são mais animadores. Mais de 60% dos jovens brasileiros não conseguiram atingir o nível básico de conhecimento esperado, o que revela uma grave defasagem no ensino fundamental II.
Falta de Conhecimento em Geometria e Gráficos
Entre os 13 anos, 62% dos alunos não conseguem calcular o lado de um quadrado, não têm entendimento das formas geométricas básicas (como círculo e quadrado) e suas representações visuais, não sabem interpretar gráficos e falham em resolver problemas relacionados à proporção e relações lineares. A média brasileira foi de, 378 pontos, posicionando o país atrás de nações como Irã, Uzbequistão, Chile, Malásia, Arábia Saudita, África do Sul e Jordânia. No caso dos 5% de estudantes com o pior desempenho, a pontuação mais alta foi de 243 pontos, o que demonstra uma grande dificuldade na resolução das questões propostas.
Desempenho Brasileiro em Ciências
Embora o desempenho dos estudantes brasileiros em ciências também tenha sido abaixo da média, os resultados foram um pouco melhores do que em matemática.
Alunos do 4º Ano
No 4º ano, 39% dos alunos não dominam conhecimentos básicos sobre plantas, animais e meio ambiente. A pontuação média foi de 425 pontos, situando-se entre os níveis baixo e intermediário.
Alunos do 8º Ano
No 8º ano, 42% dos alunos não conseguiram responder a questões sobre biologia, como informações sobre células, tecidos e órgãos, nem souberam distinguir reações químicas de físicas. Questões simples, como saber que o Sol provê luz e calor ou que há sal no oceano, foram desconhecidas por muitos. O Brasil alcançou uma média de 420 pontos em ciências, também no patamar entre o baixo e o intermediário.
Causas para o Baixo Desempenho
O especialista Ernesto Martins Faria destacou que o problema mais grave na educação básica brasileira é a falta de letramento matemático. Segundo ele, a maioria das crianças e jovens não dominam o mínimo necessário para resolver problemas matemáticos básicos.
Fatores Contribuintes
- Pouca Familiaridade com Números: Em comparação com a língua portuguesa, em que há uma maior exposição ao conteúdo devido à leitura de livros e uso constante da linguagem no cotidiano (como em conversas no WhatsApp), a matemática exige muito mais a presença de bons professores e de uma formação sólida em boas escolas. A falta de uma formação docente de qualidade no Brasil é um dos principais fatores que explicam o desempenho ruim.
- Baixa Atraatividade da Carreira de Professor: A carreira docente no Brasil enfrenta baixos salários e condições de trabalho insatisfatórias, o que desestimula a busca por cursos de licenciatura, especialmente na área de matemática. O índice de evasão nos cursos de matemática é alto, com alunos talentosos na área de cálculo migrando para outras carreiras mais bem remuneradas, como economia e engenharia.
- Desigualdade na Distribuição de Professores: A defasagem no conhecimento dos alunos é amplificada pelo ciclo de desigualdade que permeia a formação docente no Brasil. Muitos alunos ingressam no ensino superior com sérias deficiências educacionais, muitas vezes por causa da baixa qualidade do ensino médio público. Isso resulta em um corpo docente com formação insuficiente, que, por sua vez, ensina alunos de escolas mal estruturadas, perpetuando o ciclo de desigualdade educacional.
- Desigualdade Econômica: A desigualdade social no Brasil também desempenha um papel importante. Muitos estudantes vêm de contextos de vulnerabilidade social, onde as preocupações com a sobrevivência (alimentação, vestuário e higiene) podem dificultar o aprendizado. A história de séculos de escravidão deixou uma estrutura social difícil de ser superada, com alunos de famílias de baixa renda enfrentando barreiras significativas para alcançar o sucesso educacional.
O estudo Timss deixa claro que a educação brasileira enfrenta desafios graves em matemática e ciências, com um desempenho inferior em comparação com outros países de renda média e alta. A falta de familiaridade com conceitos básicos de matemática entre as crianças e jovens brasileiros é um reflexo de um sistema educacional que precisa urgentemente de reformas, tanto na formação de professores quanto na estruturação das escolas, além de políticas públicas focadas na melhoria do ensino dessas disciplinas essenciais.
O Brasil precisa repensar suas estratégias educacionais e, em especial, valorizar a carreira docente, melhorar a qualidade do ensino e reduzir as desigualdades sociais para garantir que todos os alunos, independentemente de sua classe social, tenham acesso a uma educação de qualidade e capaz de prepará-los para os desafios do futuro.