O procurador-geral da Justiça de Mato Grosso, Deosdete Cruz Junior, apresentou uma medida polêmica para combater o crime organizado, que gerou uma forte ocorrência da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Mato Grosso (OAB-MT). A proposta envolve a gravação de conversas entre advogados e clientes que possuíam ligação com facções criminosas. O caso gerou ampla repercussão e acirrou o debate sobre as fronteiras entre a defesa dos direitos constitucionais e a segurança pública.
A Proposta do Procurador-Geral e Suas Implicações para a Advocacia
Durante o lançamento do programa “Tolerância Zero ao Crime Organizado”, realizado no Palácio Paiaguás, em Cuiabá, no dia 25 de novembro de 2024, o procurador-geral da Justiça de Mato Grosso, Deosdete Cruz Junior, fez uma declaração que apresentou a gravação das conversas entre advogados e clientes envolvidos com facções criminosas. A proposta, parte de um esforço maior de combate ao crime organizado, busca enfraquecer o poder das organizações criminosas, que, segundo Cruz Junior, muitas vezes recorre a advogados como intermediários para comandar crimes dentro das unidades prisionais.
A proposta de Cruz Junior gerou grande controvérsia, pois fere diretamente o princípio do sigilo entre advogado e cliente, uma prerrogativa fundamental da advocacia garantida pela Constituição Federal. Em sua defesa, Cruz Junior afirmou que a medida não visa prejudicar a profissão, mas sim garantir que o sistema de justiça não seja usado como ferramenta por criminosos para planejar e executar atividades ilícitas.
A Reação da OAB-MT: Pedido de Explicações e Defesa do Sigilo Profissional
A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Mato Grosso (OAB-MT), presidida por Gisela Cardoso, rapidamente se posicionou contra a proposta de gravação. A OAB-MT protocolou um Pedido de Explicações no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), solicitando que o procurador-geral se manifestasse sobre seus interesses. A Ordem questiona se a fala de Deosdete Cruz Junior tinha como objetivo acusar todos os advogados de serem cúmplices do crime organizado ou se foi uma observação baseada em casos específicos que estejam devidamente investigados.
A OAB-MT destacou que o sigilo entre advogado e cliente é um direito constitucional absoluto, essencial para a garantia do devido processo legal e das defesas dos direitos fundamentais dos cidadãos. Segundo Gisela Cardoso, a proposta de gravação de conversas poderia criar um precedente perigoso, enfraquecendo a confiança no sistema de justiça e gerando insegurança jurídica tanto para os advogados quanto para seus clientes.
O Que Está em Jogo: Direitos Fundamentais x Segurança Pública
A proposta de Cruz Junior expõe um dilema central no sistema jurídico: o conflito entre garantir a segurança pública e proteger os direitos constitucionais dos cidadãos. O sigilo profissional é uma das garantias mais importantes para a atuação da advocacia, permitindo que os advogados defendam seus clientes de maneira plena, sem medo de retaliações ou represálias.
Entretanto, Deosdete Cruz Junior defende que, no contexto do crime organizado, essa prerrogativa deve ser cuidadosamente verificada. Ele argumenta que organizações criminosas, ao controlar atividades ilegais dentro das prisões, comprometem o funcionamento das instituições e, por isso, medidas mais rigorosas, como a gravação de conversas, poderiam ser permitidas para quebrar essa estrutura de poder paralelo.
De acordo com Cruz Junior, a gravação de conversas não seria uma ação generalizada contra todos os advogados, mas sim uma estratégia focada em combater facções criminosas que utilizam a advocacia para esconder suas atividades ilícitas. Ele afirmou ainda que essa medida visa proteger a sociedade e garantir a efetividade da justiça no combate ao crime organizado.
A Defesa do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (CNPG)
Em resposta às críticas da OAB-MT, o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais (CNPG) se manifestou em apoio a Deosdete Cruz Junior, destacando que sua fala estava “contextualizada” dentro da luta contra as organizações criminosas. O presidente do CNPG, Jarbas Soares Junior, afirmou que as facções criminosas tentam estabelecer um “estado paralelo”, prejudicando o funcionamento das instituições democráticas e colocando em risco a ordem pública. Para ele, a proposta de Cruz Junior é uma medida que visa fortalecer a segurança pública e garantir que o sistema judiciário não seja subvertido por atividades criminosas.
Jarbas Soares Junior também enfatizou que, embora a advocacia seja essencial para a administração da Justiça, nenhum direito pode ser usado para proteger práticas criminosas. O CNPG defendeu a necessidade de ajustes na legislação para garantir a continuidade da luta contra o crime organizado, sem que isso signifique uma vulnerabilidade das garantias constitucionais.
Controvérsias e Divisão de Opiniões: A OAB-MT e o Procurador-Geral de Justiça
A ocorrência à proposta da Cruz Junior continua a se intensificar após a divulgação de suas declarações. A presidente da OAB-MT, Gisela Cardoso, classificou a proposta como “infeliz e inaceitável”, argumentando que qualquer tentativa de relativizar o sigilo profissional entre advogado e cliente violaria princípios fundamentais do direito à defesa e à liberdade individual.
Além disso, o procurador-geral da Defesa das Prerrogativas da OAB-MT, Pedro Henrique Marques, repudiou a fala de Cruz Junior, considerando-a uma tentativa de criminalizar toda a advocacia, sem apresentar evidências concretas que sustentassem a acusação de que os advogados estariam participando como “pombos correios” do crime organizado. Para ele, a fala de Cruz Junior representava uma frente às garantias constitucionais dos advogados e dos cidadãos, colocando em risco o estado democrático de direito.
A Reafirmação de Deosdete Cruz Junior: Reações e Projeções Futuras
Após o desgaste causado pelas críticas, Deosdete Cruz Junior reafirmou sua posição em entrevistas posteriores, ressaltando que o alerta que fez sobre a atuação de facções criminosas nas unidades prisionais deveria ser visto como um esforço para unir as instituições democráticas na luta contra o crime organizado. Segundo ele, em um estado dominado por facções criminosas, nem policiais, nem juízes, promotores ou advogados seriam necessários, pois o próprio Estado seria enfraquecido.
Essa reafirmação colocou o tema de volta ao centro de investigação no âmbito jurídico, especialmente no que diz respeito às previsões e aos limites de medidas de segurança pública que podem afetar direitos fundamentais, como o sigilo entre advogado e cliente.
O Impacto Duradouro no Sistema Jurídico Brasileiro
O episódio gerou um intenso debate sobre o equilíbrio entre a proteção das prerrogativas da advocacia e a necessidade de medidas mais duras contra o crime organizado. A decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso sobre o Pedido de Explicações da OAB-MT será um marco importante, com potencial para influenciar o entendimento sobre as fronteiras entre o direito à defesa e a preservação da ordem pública no Brasil.