A Justiça de São Paulo aceitou a primeira denúncia contra policiais militares envolvidos na morte de um homem durante a Operação Verão, que, no início de 2024, resultou em 56 mortos na Baixada Santista. Dois agentes da Rota, da tropa de elite da Polícia Militar (PM), foram acusados de homicídio qualificado, após simular um confronto e alterar a cena do crime. Os policiais, identificados como Diogo Souza Maia e Glauco Costa, agora enfrentam o processo judicial como réus, afastados de suas funções de rua.
Operação Verão: Contexto e Críticas
A Operação Verão ocorre regularmente nas cidades litorâneas de São Paulo, com o objetivo de combater a criminalidade no período em que as praias ficam lotadas de turistas. No entanto, a edição de 2024, que terminou em abril, foi amplamente criticada pelas autoridades de direitos humanos e organizações, devido ao elevado número de mortes envolvidas nas ações policiais.
O Caso da Morte de Allan de Morais Santos
A denúncia que culminou na acusação dos PMs envolveu a morte de Allan de Morais Santos, conhecido como “Príncipe”, um roupeiro de 36 anos do Jabaquara Atlético Clube. Ele foi baleado em 10 de fevereiro de 2024, em Santos, enquanto retornava para casa após um jogo de futebol. A versão dos policiais era de que Allan estava transportando armas e reagiu à abordagem policial, disparando contra os PMs. Eles afirmaram ter respondido ao ataque com tiros de fuzil e pistola.
Versão do Ministério Público: Simulação de Confronto e Alteração da Cena do Crime
De acordo com a denúncia apresentada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) em 18 de novembro de 2024, e aceita pela Justiça em 21 de novembro, a versão dos policiais é considerada falsa. O MP afirma que Allan não estava armado nem reagiu ao cerco policial. Segundo os promotores, Allan foi seguido por alguns metros pelos PMs, até que sua passagem foi bloqueada pelas viaturas. O MP argumenta que a ordem de parada foi obedecida por Allan, mas o policial Diogo Maia efetuou, à queima-roupa, quatro tiros de fuzil contra ele. Após isso, o policial Glauco Costa disparou mais quatro vezes com uma pistola.
A Perícia: Contradições na Versão Oficial
A perícia revelou que Allan foi atingido por seis tiros, que causaram graves fraturas, incluindo nas clavículas, braços e rosto. A análise também descobriu evidências de disparos feitos dentro do veículo, contrariando a versão dos PMs de que a vítima teria disparado contra os policiais. Além disso, foi encontrado um estojo de munição deflagrado dentro do carro, que foi posteriormente manipulado para simular uma troca de tiros.
Obstrução de Câmeras Corporais e Manipulação de Provas
O MP alega que, além da simulação do confronto, houve uma tentativa deliberada de obstruir as câmeras corporais (COPs) dos policiais para impedir a gravação das provas. Um dos policiais teria deitado no chão para garantir que sua câmera não registrasse a cena, enquanto outro PM fez questão de bloquear a câmera de forma intencional. Outro agente, cuja câmera estava descarregada, também contribuiu para a manipulação da cena do crime, permitindo que uma falsa narrativa fosse construída.
O Papel das Câmeras e Ações dos Policiais
As câmeras corporais, equipamentos essenciais para o registro das ações policiais, foram um ponto central da investigação. O MP destacou que, em vários benefícios, os policiais agiram de forma para evitar a captura de imagens da ocorrência, como virar as câmeras para baixo ou distanciar-se da cena. Em um dos casos, um agente chegou a esconder a câmera com a mão por mais de meia hora. De acordo com a denúncia, essas ações foram realizadas com a intenção de ocultar a verdade e dificultar a identificação dos responsáveis pela alteração da cena do crime.
Decisão Judicial e Consequências para os Policiais
Após a liberação da proibição, o juiz Alexandre Betini, da cidade de Santos, determinou que os policiais envolvidos na morte de Allan fossem afastados de suas funções nas ruas, autorizando que passassem a realizar apenas atividades administrativas. A decisão do magistrado, no entanto, não levou outros dois policiais que estavam na mesma viatura, que foram considerados inocentes pela Justiça, por não estarem diretamente envolvidos na morte.
O Desabafo da Família de Allan
A esposa de Allan, em entrevista à GloboNews, expressou sua dor e revolta diante do ocorrido. Ela relatou que, na hora do crime, Allan estava voltando do trabalho e tinha feito uma troca de mensagens com ela pouco antes de ser baleado. A viúva destacou que Allan havia deixado para trás seu envolvimento com o crime e que estava trabalhando honestamente, sendo aprovado em exames para a categoria D da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), com a intenção de começar um novo capítulo em sua vida.
A Operação Escudo e Verão: Mortalidade e Reações
A morte de Allan de Morais Santos é apenas um dos muitos casos envolvendo a Polícia Militar nas operações Escudo e Verão, que juntas resultaram em 94 mortes, além da morte de quatro policiais militares. A operação foi uma resposta aos assassinatos de policiais da Rota, iniciada com a morte do PM Samuel Wesley Cosmo, em fevereiro de 2023. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, destacaram a força das operações e prometemos uma resposta contundente.
Busca por Justiça
Agora que os policiais Diogo Souza Maia e Glauco Costa foram formalmente acusados de homicídio qualificado, a defesa será ouvida pela Justiça, que determinará se eles irão a julgamento popular ou serão absolvidos. A esposa de Allan, em busca de justiça, afirmou que o que ela mais quer é que os responsáveis pela morte de seu marido sejam condenados.
Esse caso segue acompanhado de perto por autoridades e organizações de direitos humanos, e o resultado do processo será crucial para entender o alcance das responsabilidades dos agentes da Rota na morte de Allan e nas possíveis irregularidades cometidas durante a Operação Verão.