A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o regime jurídico dos servidores públicos gerou grande repercussão no cenário político e administrativo. Essa decisão, proferida na quarta-feira (6), validou uma mudança constitucional que altera o regime de trabalho dos servidores públicos no Brasil, encerrando uma longa tramitação de mais de 24 anos.
O que é o Regime Jurídico Único (RJU)?
O Regime Jurídico Único (RJU) é o conjunto de normas que regulam a relação entre os servidores públicos e o Estado. Ele abrange questões como direitos, deveres, garantias, vantagens, proibições e preconceitos, determinando as regras para o ingresso e a permanência dos servidores públicos nos cargos. A Constituição de 1988 determinou que a Administração Pública em todos os níveis — União, estados, municípios e suas autarquias — deveria adotar um regime único para todos os servidores públicos. Isso visava a uniformização da carreira pública, evitando que trabalhadores que desempenhassem funções semelhantes fossem tratadas de formas diferentes.
Antes de 1988, havia uma diversidade de regimes. Por exemplo, servidores regidos pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e outros regidos por estatutos próprios, o que criou desigualdade entre os servidores. Com a promulgação da Constituição de 1988, foi estabelecido um regime estatutário único, no qual a relação entre servidor e administração pública é regida por normas específicas que conferem estabilidade ao servidor público após três anos de serviço.
Mudança Constitucional de 1998 e seus Impactos
Em 1998, o Congresso Nacional aprovou uma reforma administrativa que modificou o texto constitucional, retirando a obrigatoriedade do Regime Jurídico Único. Isso exigiu que, no futuro, seria possível adotar diferentes regimes para os servidores públicos, incluindo a CLT (sem estabilidade). O principal objetivo da mudança era dar mais flexibilidade à gestão pública, permitindo que cada ente da federação (União, estados e municípios) escolhesse o regime mais adequado às suas necessidades.
A emenda foi aprovada com a possibilidade de que, num futuro próximo, alguns servidores públicos possam ser contratados sob o regime da CLT, ou seja, com menos garantias, como a estabilidade, mas ainda exigindo concurso público para o ingresso. Essa alteração foi aplicada até 2007, quando o STF suspendeu sua aplicação devido a questionamentos de constitucionalidade.
O que o STF decidiu em 2024?
O STF decidiu, por 8 votos a 3, que uma mudança na Constituição que retirava a exigência de um regime jurídico único para os servidores públicos era válida. Isso significa que, a partir dessa decisão, a administração pública poderá escolher se adota o regime estatutário (com estabilidade) ou o regime da CLT (sem estabilidade) para novos servidores. A Corte entendeu que o processo legislativo que levou à aprovação da emenda foi regular, e, portanto, a mudança não violou a Constituição.
A decisão não atinge os servidores públicos que já estão em cargo. Para esses trabalhadores, o regime estatutário, com estabilidade, continua vigente. Eles permanecem sob a Lei 8.112, que regula o estatuto dos servidores federais, e mantêm suas condições de estabilidade e os direitos previdenciários garantidos pela Constituição. Isso significa que a estabilidade no cargo não será retirada dos servidores já concursados e em exercício.
O Que Estava em Vigor Durante os 24 Anos de Tramitação?
Durante os 24 anos em que o processo estava sendo confirmado, o STF suspendeu a aplicação da mudança constitucional em 2007, revertendo a flexibilização do regime de trabalho. A suspensão significou que a exigência do regime jurídico só voltou a valer. Assim, até a decisão de 2024, a mudança constitucional de 1998 estava suspensa, e a administração pública deveria seguir as regras estabelecidas pela Constituição de 1988.
Durante esse período de suspensão, muitos estados e municípios apoiaram a adoção do regime CLT para a contratação de servidores públicos, especialmente em áreas onde não era possível implementar a adoção do regime estatutário, como em cargos administrativas ou em atividades que não fossem exclusivas do serviço Público.
Para Quem a Decisão Vale?
A decisão do STF de 6 de novembro de 2024 diz respeito somente aos novos servidores. Servidores que já ingressaram no funcionalismo público, independentemente do regime adotado, não sofrerão mudanças. A estabilidade dos servidores públicos já concursados será mantida, e as normas regulamentares a eles, como o regime previdenciário e o regime estatutário, continuarão em vigor.
A mudança será aplicada apenas para novos ingressantes no serviço público, e dependerá de novas legislações que possam ser criadas para regulamentos, como será a aplicação da CLT ou do regime estatutário para cada cargo.
Como será implantada a mudança?
A alteração no regime de contratação não será imediata e a implementação dependerá de mudanças nas leis e regulamentos que regem as carreiras públicas. Para que os servidores passem a ser contratados sob o regime da CLT ou sob o regime estatutário, as leis que regulamentam cada cargo específica precisarão ser alteradas. Isso significa que o processo legislativo será determinante para que a mudança seja efetivamente aplicada.
Os governantes, em todos os níveis de governo, deverão aprovar as leis que definem as novas condições de contratação para os servidores públicos e quais áreas e cargos serão regidas pela CLT ou pelo regime estatutário.
O que Acontece com os Concursos Públicos?
A decisão do STF não alterou a exigência de concurso público para ingresso no serviço público. O concurso continuará sendo a única forma legal de ingresso no funcionalismo público, seja sob o regime CLT ou estatutário. A Constituição de 1988 ainda mantém o concurso como regra, e isso se aplica igualmente aos funcionários públicos dos estatais, que são contratados mediante concurso, embora sem garantia de estabilidade.
O que acontece com a estabilidade?
A decisão do STF não extinguiu a estabilidade dos servidores públicos. A estabilidade continua existindo para os servidores públicos sob o estatuto do regime, e a mudança pode depender da estabilidade apenas para novos contratados sob o regime CLT, caso isso seja implementado nos planos de carreira de cada entidade pública.
A estabilidade, que já está garantida aos servidores concorrendo nas carreiras de Estado, deve ser mantida. O regime CLT, que não garante estabilidade, poderá ser adotado em áreas onde o serviço público possa ser comparado à iniciativa privada, como áreas administrativas ou de suporte.
A decisão do STF tem um grande impacto para o futuro dos servidores públicos no Brasil, pois flexibiliza a forma como os governos poderão contratar e administrar seus funcionários. Para novos ingressantes, será possível que alguns sejam contratados sob a CLT, sem estabilidade, desde que aprovados as leis que regulamentam esses regimes. Para quem já está no funcionalismo, nada muda: a estabilidade continua garantida. A transição do regime jurídico único para a possibilidade de regimes diferentes só ocorrerá com a aprovação de novas leis, e os concursos públicos continuarão sendo a via obrigatória para o ingresso no serviço público.